O Autor:
Avatar dinâmico em testes

Nome: Francis Karsaeras
Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, BR
Idade: 25 Anos
Características: Inexplicavelmente, passa sufoco quando chove e em testes psicotécnicos, sem causa aparente.
Signo: Gêmeos, mas faz diferença?
Caso tenha gostado, deixe um comentário que entro em contato o quanto antes. Obrigado pela visita.


No baú abaixo segue os arquivos publicados neste blog!

Expandir || Contrair

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sábado, julho 07, 2007

Piratas - Capítulo 004 - Invasores de Alma - Parte 2

Momentos antes a ordem do Comandante Araioses, Mafra e Jaru corriam loucamentente buscando alcançar os galpões ao lado dos escombros do Relógio da Torre de Orações de onde a fumaça ainda saia com fartura. Mafra Texemond, ou Tex Mafra, era um rapaz por volta de seus vinte e dois anos, de corpo franzino mas com uma incrível disposição física. A pele clara, banhada pelo suor enquanto via seu companheiro ganhando distância, contrasta violentamente não só com seus cabelos curtos, olhos miúdos, sombracelhas afiladas, sempre na cor preta, mas com o azul escuro de seu uniforme. A cadência de sua corrida, por mais veloz que possa ser, só o faz ouvir do gigante negro Jaru comentários espirituosos:
- Vamos moleque fuleiro, soltas as pregas e começa a correr como homem. Bora frangote, ou vou ter que te chicotear para ir mais rápido? O Capitão Drake -depende da gente, porra! – Brada o corpulento a aproximadamente trinta metros a frente. Mas em momento algum Tex Mafra se sente constrangido ou enraivecido com Jarualdo Morgado. O jovem conhece bem o jeito bruto, brincalhão e, sem dúvida, único. Tão especial quanto o estrago causado por seus punhos, conseqüência do popular ataque ambidestro “Golpe do Lobo Furioso”. A imagem de um rosto completamente desfigurado ainda vem a mente quando um imbecil se atreveu a chamar o seu amigo pelo nome de nascença. Até hoje, somente duas pessoas o chamam assim. Ambas têm o sobrenome Drake.
- Eu só estou te dando uma vantagem, Jaru. Imagina que feio ia ficar se eu chegasse antes? - Responde ofegante Mafra, sem esconder que deu o máximo de si na corrida.
- Tá bom moleque fuleiro. Quer uma toalha para secar o suor? Eu não vou precisar mesmo - Replica Jaru, completamente seco e sequer ofegante, ao passo que entra no primeiro galpão.
- Um dia chego ao teu nível!
- Vai chegar se escaparmos dessa. - Acenando com a mãos, os soldados que os aguardavam ali os conduzem a uma escada rumo ao subterrâneo. Logo ao descerem o primeiro lance, deparam-se com uma vasta bateria de metralhadoras anti-aereas. Assombrado, o queixo de Mafra se permite cair. Nunca em sua curta existência havia visto uma Shercy S600 R04, quanto mais a quantidade inacreditável como aquela. O galpão, antes gigantesco, parecia realmente minúsculo agora. Vendo o espanto do garoto enquanto atravessavam transversalmente o galpão, o negro acha que uma exxplicação não seria errado, mas algo lhe diz que será desnecessário:
- Moleque, tu conhece as Shercys, não conhece?
- Sim. A linha Shercy é composta por metralhadoras de grosso calibre, geralmente colocadas em pares nos postos avançados de modo a dar o primeiro combate a qualquer atividade em locais suspeitos de serem Pontos Obscuros. - Fala como se tivesse decorado a frase sem sequer respirar. - Os projéteis dela são admiráveis, um espetáculo a parte. Não-capsulados, o corpo não se separa da zona penetrante já que não explode. As micro ranhuras desenhadas em sua lateral garante uma trajetória fidedigna com a mira. - Com um brilho no olhar que chegava a ser obsceno, continua. - A Ynos, criadora e montadora da série Shercy, foi espetacular, para não dizer genial, ao usar um acelerador gravitacional pra propelir os projéteis. A alimentação é feita de modo contínuo pelo centro do tambor circular que pode ser posicionado de acordo com a conveniência do atirador. Esse tambor tem a sua gravidade interna aumentada o projétil percorre realizando a desgravitação em espiral e depois, em altíssima velocidade, é disparado por canos que giram continuamente pelo eixo axial, causando um movimento centrípeto enquanto a força centrífuga do projétil gerada pelo movimento deveria desacelerá-lo…

Sem notar que estava ganhando público, Tex Mafra continua a explicar em detalhes. Sorridente com o seu protegido, Jaru o deixa se deslumbrar mais um pouco antes de contar-lhe uma novidade, mesmo com o receio de que o jovem tenha um ataque cardíaco em conseqüência da notícia.
- … mas isso não ocorre graças ao cilindro de ar formado na parte interna do cano e do baixíssimo tempo de residência. Em resumo, um disparo sem atrito. É lindo.
- Beleza Mafrapedia, agora deixa essa cueca melada longe de mim e você errou de modo boçal numa coisa.
- NO QUÊ??? – O sorriso da maldade de alguém mais experiente surge no rosto de Jaru.
- Essa não é a R04. Olha quantos canos de disparo essa aí toda babada ao teu lado tem? - Tex Mafra observa e o seu queixo cai ainda mais.
- Hein! Oito! Como assim?
- Nem assim nem assado. Eis um galpão de R08. Sendo que temos mais quatro galpões deste lado da cidade, mais cinco junto a prefeitura no centro e outros cinco do outro lado do balneário. Bom, não sei o numero certo, mas é tiro para caralho.
- Então temos esperança de sobreviver!
- Não. Nossas chances são ínfimas. Esqueceu moleque, é o Tirano de Almas que está lá na baía. Tudo o que temos que fazer é dar tempo a população escapar… – Espalmando a mão diante do garoto, Jaru pede tempo para ouvir o comunicador. Em seguida, aos gritos, a transmite ao encarregado mais próximo. Do lado de fora, os telhados dos galpões começam a se deslocar lateralmente assim que as gárgulas cessam o ataque. Quando as paredes se livram do peso que sustentavam, elas desabam sob o lado externo, expondo o segredo guardado em seu interior.

Ao notar o Mafra cabisbaixo no meio da correria para assumir posições nas Shercys, que agora surgiam do solo trazidas por um colossal elevador, Jaru dá um tapa no ombro do jovem.
- Moleque, quem foi teu professor de tiro com armamento pesado na academia?
- Onis Mazini.
- Careca gente fina. Ele deve ter mencionado sobre o legendário “Vai Otário”, não falou?
- Falou, mas disse que a gente ia descobrir em ação. O que de fato é isso? - Pergunta enquanto se senta na Shercy apontada por Jaru. Lutarão um ao lado do outro. Antes de fechar a cápsula-escudo, o globo de proteção transparente usado para minimizar danos ao atirador, o negro responde:
- Pega nos gatilhos e olha pela mira. Quando o tiro começar a comer desenfreado, com a tua visão poluída de bicho de tudo quanto é tipo, tu não vai saber porque tá gritando, não vai saber do que, como ou qual razão tá sentado aí dentro. Tu só vai atirar, atirar e atirar. Mas depois, se houver um depois, a única coisa que vai lembrar de prestar atenção é nas palavras “Vai otário, entra na minha mira!!!”. A princípio incrédulo, o garoto desata a rir. Jaru fecha a cápsula-escudo dele pensando que agora, ao menos, conseguiu atrasar a chegada da Carruagem Negra para o garoto. Cada segundo, cada disparo bem sucedido, qualquer instante a mais de tranqüilidade é a diferença de quem continua atirando para quem virou estatística.

Após sentar-se em sua metralhadora, o veterano recebe informes de que estão todos a postos. Pela freqüência privada, transmite as notícias ao Capitão Drake.
- Excelente Jarualdo, estamos todos prontos então. Acredito que Araioses lançará os Invasores de Alma quando o Sol se pôr. Não há registros deles atuando com forte luminosidade.
- Mas os registros não são muito confiáveis, Capitão.
- Sei disso, mas trabalho com o que tenho. E o que temos agora são dez minutos.
- Capitão?
- Fale.
- O senhor sabe o que Araioses está buscando…
- Sim.
- … e acredita que vai conseguir evitar?
- Sim. É para isso que estamos aqui, não é?
- William, sinceramente.
- Meu amigo, o que irá acontecer de agora em diante não está mais em nossas mãos. Ambos sabemos a razão de Araioses ter vindo a nossa cidade natal. Nós vimos o que ele faz com as pessoas. Conhecemos de onde o Tirano de Almas adquire toda sua força. Não fomos capazes de acabar com ele antes, quando lutamos junto com Gaudir e Maywald. Perdemos nossa chance, mas montamos toda uma esperança…
- Uma esperança que talvez não vejamos concretizada.
- Desejava que fosse diferente?
- De modo algum William! Guerreamos juntosm, morremos juntos!
- Então separe um lugar para mim na Carruagem Negra, já que é para morrer…
- … então morremos de pé! - Completa Jaru com uma determinação correndo nas veias como só havia sentido quando lutou ao lado de Maywald, Gaudir e Drake na destruição do estaleiro onde o Tirano de Almas fora construído. Ele acreditava que aquela havia sido a batalha da sua vida. Um assalto suicida ao mais forte Ponto Obscuro da época. “Como é bom estar errado”, pensa ao aferrar-se aos gatilhos de sua R08. em sua mente, ele imagina como deve ser grandiosa a visão de milhares de ovos transparentes com oito espetos saindo da casca de cada um deles. Mas assim que atinge a superfície e o elevador começa a criar diferentes níveis, tal qual uma pirâmide asteca, tanto Jaru quanto Mafra se entreolham ao ver a noite e seu negro manto rapidamente salpicar o céu de estrelas, enquanto ouvem o triste cântico da brisa noturna passando por eles rapidamente. Ao longe, o Sol se debate debilmente, gerando uma aura agourenta no Tirano de Almas, que com um ensurdecedor silvo agudo, seguido do som tonitruante de tambores tribais, as milhares de pequenas silhuetas sombrias são lançadas sobre o fundo laranja descrevem o réquiem do Balneário Pinheiro Natalino.

Uma vez libertos eles virão.
Mães e filhos se esconderão,
mas da colheita maldita não fugirão.
Os vivos a essência perderão
E deste mundo não partirão.
Presos a eterna servidão
condenados sem julgamento
servirão de alimento
alongando o próprio tormento.

(Vicentino Malta Gers, extraído de “Ceifadores da Essência”)

Pouco antes de entrar em sua cabine, o estrondo das paredes dos galpões desabando fazem com que o Araioses mude de idéia. Maravilhado, ele detém a visão sobre a costa a sua frente e acompanha o surgimento ao longo de toda a cidade das pirâmides com a bateria anti-aérea. “Finalmente, uma resistência adequada”, fala o Comandante. “Eu não poderia esperar menos do Capitão Drake”. Fingindo estar intrigado, ele aponta na direção de uma das pirâmides e fala:
- Torik, você reconhece?
- São as Shercys S600, senhor. – Já esperando a próxima pergunta, rapidamente conta o número de canos.
- Série Erre – Zero – Oito… - Completa Araioses.
- Sim, senhor.
- Não sabia da existência dessa série.
- Nem eu senhor.
- Pois bem Torik. Realmente nossos atuais espiões deixaram a desejar. Não me simpatiza a idéia de que continuem a nos servir. Sabe como proceder? – Exibindo o seu sorriso inquietante, sua aura maligna parece adensar enquanto seus olhos acendem, assumindo uma coloração suavemente amarelada.
- Sim, senhor.
- Torik, a hora chegou. Não deixemos mais o venerável e honrado Capitão William Drake esperando. Seria deselegante e até um insulto de nossa parte. - Com um gesto simples com a mão direita, confirma a ordem. – Os Invasores de Alma.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Piratas - Capítulo 004 – Invasores de Alma - Parte 1

A morte é apenas mais um porto
aos que navegam em um infinito azul.
É o momento que para um morto
a bússola aponta para o Sul

(Trecho extraído de “O Outro Lado”, de Vicentino Malta Gers. O senhor V.M. Gers é um escritor renomado e bastante popular sobre contos poéticos de temática fúnebre no Mundo dos Sonhos).

Por um fugaz momento acreditou-se que os ataques haviam finalmente cessado, pois um silêncio sepulcral pairava denso sobre o porto. Nada além de um suave e contínuo assovio era capturado pelos ouvidos do Capitão Drake. Absolutamente tudo, inclusive o seu fôlego, foram postos em segundo plano frente ao gigantesco pesadelo que flutuava solene como uma sombra do Mal eclipsando o Sol e negando Luz e calor aos que estavam na costa, enquanto finalizava sua manobra de aproximação. Devido as suas dimensões descomunais, esse destróier do tamanho de uma pequena refinaria, com incontáveis deques
[1]
de altura, estava parado distante da costa e ao mesmo tempo dar a impressão de que estava atracado no porto.

Ao olhar diretamente a proa do Tirano de Almas, o Capitão Drake desperta do torpor que se encontrava ao cruzar o olhar com um homem de chapéu e capa. Mesmo sem ambos nunca terem se visto anteriormente, os dois sabiam quem possuía a voz de comando de suas tropas. Intuitivamente, ele sabia que aquele era o lendário e temido Comandante Araioses. Este, com um único sorriso, revelava o que ia em sua mente e resumia toda a situação.
Tente defender-se”, “Torne este ambiente mais interessante”, “Lute. Lute até o seu último minuto como um rato encurralado”.
E com brilho que oscilava do vermelho ao amarelo surgia de um rosto oculto pelas sombras.

- Mafra, Jaru! – Gritava Drake ao desembainhar a sua espada para reluzir a pouca luz que não fora bloqueada pela nau invasora. Ao ver a atenção de seus homens sobre si, continuou - Preparem a bateria para o ataque aéreo que virá. AGORA!!! – E os dois partem rapidamente para um grupo de galpões semi destruídos, próximo a onde existia o Relógio da Torre de Orações. A correria deles acaba por acordar boa parte das tropas entregues ao medo para o seu dever.
- Icatu, Timon, Duprat, Gaspari – Os quatro subcomandantes atentaram-se as palavras do superior após desviarem lenta e simultaneamente a cabeça do pesadelo náutico. - Organizem suas colunas defensivas conforme ordenei. Vocês ficarão no flanco direito. Movam-se agora, porra!

Demonstrando uma fibra inabalável frente à derrota certa, bem como o seu histórico da incrível capacidade de sair-se vitorioso de batalhas perdidas, os seus comandados tinham uma confiança, respeito e lealdade cegas a ele ao senso de comando. Tornara-se mais que um superior, transformou-se em uma referência e um exemplo a todos, a ponto de ser reconhecido até pelo Senhor do Mundo dos Sonhos. E isto era vislumbrado nesse exato instante, quando eles o viam brandindo sua espada acima da cabeça, refletindo o Sol em seus olhos, captando sua atenção e fazendo as suas ordens chegar fundo na mente de cada um. Individualmente, eram removidos do choque, sendo relembrados de precisavam garantir tempo para que a população saísse do Balneário Pinheiro natalino.

Bradando com ferocidade, o Capitão Drake mantinha o tom de voz enérgico; Agora, quatro coluna de soldados seguiam para a defesa do flanco esquerdo. O resto se manteria com ele.

Da proa do Tirano de Almas, o imediato Torik aguardava instruções. Com sua compleição bruta, o rosto quadrado, queixo largo, orelhas deformadas, dentes cinzas, tortos e pontiagudos. O tronco era largo tal qual suas pernas e braços. Os seus olhos tinham um estranho desenho, repuxados para cima no lado mais externo rumo as têmporas avantajadas. Porém se estreitavam conforme seguia rumo ao nariz largo e achatado. A íris em formato de cruz com a cor laranja contrastava violentamente com o globo ocular negro. O seu senhor e superior, de porte físico bem menos avantajado que o seu, encontrava-se diante de si.

Com um pouco de observação já bastaria para entender o pavor que tanto Torik quanto toda a tripulação sentia pelo comandante Araioses, pois a cada movimento dele revelava um negrume permanente ao seu redor. Uma aura palpável de maldade. Suas capas esvoaçantes davam a ilusão de asas do mal. Ao caminhar, emitia um rastro de desespero e um ranço de agonia interminável. Nada continuava vivo por muito tempo após a sua passagem. O ar se tornava irrespirável. A água virava ácido sulfúrico concentrado. Vegetais transformavam-se em poeira, que carreados pelo vento sufocante, penetravam nos poros da pele tanto quanto adensavam ainda mais o ar após a sua passagem. Não portava arma nenhuma. Jamais elevava a voz, bem com não temia um motim ou qualquer tentativa de insubordinação. Ainda assim, raramente desembarcava, simplesmente por não haver necessidade graças à eficiência de Torik em cumprir as suas ordens. Mas hoje ele estava encantado com este balneário. Finalmente, após uma longa procura, Araioses sente a proximidade de seu objetivo. Tão perto que podia se dar ao luxo de uma pequena diversão como há tempos na tinha. De pé, com o corpo oculto sob sua longa e bela capa negra, a qual refulgia o Sol em seu crepúsculo agonizante, fala com uma voz suave e tranqüila, porém sem ocultar o timbre mortal:
- Torik, corrija-me caso eu esteja enganado, mas aquele com a espada não é o famoso Capitão William Drake? – Torik cuidadosamente se aproxima e coma cabeça, confirma a informação. Sob a sombra de seu chapéu de abas largas, Araioses observa com o canto dos olhos seu subordinado.
- Torik, quando irá me corrigir?
- Quando o senhor estiver errado, senhor.
- Teremos alguma tentativa de resistência hoje. - Continua o comandante, agora sorridente e satisfeito com a resposta que obteve. É uma diversão particular ver como seu feio comandado se sai em situações tolas, mas que exigem uma perspicácia inteligente e respeitosa nas respostas.
– Cesse as gárgulas. Quando o Sol sumir, desembarcaremos. Vamos no exercitar um pouco com a soldadesca. O Capitão Drake se manterá intacto. – Mantendo o sorriso inquietante, prossegue - Ele merece algo mais refinado. Digno de sua história e conquistas.

Girando sob os calcanhares, o comandante do Tirano de Almas se dirige a sua cabine a fim de se preparar para ir a terra. Quando a última gárgula adaptada ao canhão de extremo alcance termina de lançar seu projétil flamejante, ainda de costas e com os olhos suavemente apertados ao mirar Torik sobre o ombro direito, agora mais do que nunca se assemelha a um Anjo Negro, Araioses ordena:
- Libere os Invasores de Alma. Eu não quero que ninguém dessa cidadela escape! - E com um ímpeto na voz pouco usual que fez sua própria tripulação estremecer de medo, conclui - Ninguém.

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Parte 2 desse capítulo neste final de semana, com absoluta certeza. Afinal, como será morrer no Mundo dos Sonhos?

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domingo, janeiro 28, 2007

Piratas - Capítulo 003 - Petrie Drake

Vendo o mico Lega desviar-se habilmente das pessoas em fuga, o pequeno Drake seguia a trajetória que a mochila atada às costas do símio descrevia na busca do melhor caminho. Faltava bem pouco agora para chegar a sua casa. Rezava para que sua mãe estivesse bem, mesmo estando no meio da multidão alucinada para se salvar. Todos buscavam ir o mais longe possível do porto. Os ataques não cessavam um instante sequer, ampliando o raio de destruição ao longo de todo o balneário. Algumas pessoas começavam a se entregar aos braços da loucura. Essa é a primeira influência direta da presença do Tirano de Almas. A grande maioria gradativamente reduzia a velocidade da fuga, praticamente desistindo, como se não houvesse lugar seguro o suficiente para escapar daquele monstro que lançava suas sombras sobre a cidadela costeira.

Lega entra em uma viela estreita a esquerda da rua principal e aguarda seu amigo que rapidamente o alcança. Ofegantes e muito suados, ambos procuram descansar alguns instantes antes de retomar a correria. Nesse ínterim, uma garota de aproximadamente vinte anos, de longos cabelos negros brilhosos, rosto fino, olhar arguto e trajando um vestido vermelho de mangas negras com apenas uma única fita rosada logo abaixo de cada ombro que, em seu corte a frente das pernas, revela um corpo bem desenhado, entra em alta velocidade no lado oposto ao do estreito caminho escolhido pela dupla para descansarem e não serem pisoteados pela massa que ainda fugia. A jovem vinha falando baixo “Sem dúvida ele deve vir pela estrada principal!!! Vou cortar caminho...” e ao reconhecer o garoto que se encontrava recostado na parede de uma casa ainda inteira, dispara uma expressão misturando espanto e alívio, junto com as palavras que eram pronunciadas em atropelo.
- Ka-Karsito, graças ao bom Senhor de Nosso Mundo eu te encontrei!!! - O menino vira o rosto com uma expectativa de que a dona daquela voz fosse realmente de quem ele acreditava ser.
- Agui? Lega, é a Agui. Que bom, ela achou a gente!!! - Incapaz de conter a surpresa e a felicidade, Karsaeras e a sua irmã Agnes Drake se abraçam. Lega não fica atrás na alegria e com o rabo enroscado no tornozelo do garoto, aproveita para abraçar a panturrilha de Agnes.
- Karsito, vamos sair daqui o quanto antes. Tão dizendo que é o Tirano de Almas que tá atacando e destruindo tudo. Nós não vamos ficar para conferir e a mãe já tá doida de esperar pela gente. - Em choque, o garoto só se move graças aos puxões de sua irmã auxiliada pelo símio.

As histórias dessa embarcação maligna são proibidas de serem contadas as crianças, o que é sinônimo de todas as conhecerem detalhadamente. Ao ver que seu irmão caçula estava apavorado demais para fugir, a garota o põe nas costas, mantém a caravela bem próxima ao peito e instrui ao mico achar o caminho mais curto e rápido possível até a casa deles.

Alguns minutos depois, a aproximação do Tirano de Almas torna sua presença maléfica quase palpável. A violência explícita e insensata ao próximo confirma a sua segunda influência. As mensagens de “matar o que está vivo”, “não há mais esperança alguma” e “entregue-se” eram exemplo das milhares que ecoavam principalmente na mente dos fracos de caráter e personalidade. Entretanto, após vários confrontos contra os Pontos Obscuros, as forças militares do Senhor do Mundo dos Sonhos incluiu no treinamento formas e o preparo adequado para resistir a tais imposições subliminares. Para ampliar essa resistência, pois o destróier está além de qualquer previsão, os capacetes utilizados minimizam até um nível ao qual o condicionamento mental consegue controlar, mas de uma maneira geral somente se uma distância segura for mantida. Existem boatos não confirmados de que soldados quando guiados por um líder hábil chegam até a aproximarem-se poucas dezenas de metros da embarcação destruidora. Deste modo, os soldados não matavam uns aos outros, mas sim tentavam a todo custo manter a gigantesca carruagem blindada que iria retirar a família do Capitão Drake da cidadela.

Desesperada e procurando constantemente a sua filha mais velha surgir com seu caçula, Petrie Drake roga ao Senhor do Mundo dos Sonhos a chance de escaparem do balneário. O longo e detalhado vestido com corselet de cor púrpura suave adornado de fitas azuis contrastava com o cinza sóbrio de seu transporte, de dimensões semelhantes a um microônibus que a aguardava pacientemente. Cavalos parrudos como filhotes de elefantes, porém extremamente atléticos e bravios são oriundos de uma raça quase extinta, pois são incapazes de viver confinados a um mesmo lugar por muito tempo. Para solucionar este problema, eles são postos continuamente em viagem e nunca repetindo o mesmo trajeto. Além do porte descomunal, os Delafees são capazes de desenvolver uma velocidade e potência de causar inveja a um carro superesportivo. Contudo, raros são os cavaleiros dessa raça, já que para montá-los é um mistério ainda não desvendado. Afinal, quando uma pessoa consegue cavalgar um Delafee é transformada em cavaleiro incondicionalmente. Infelizmente, muitos ainda morrem em nome do status que dominar tais montarias traz.
Incapaz de conter o nervosismo por mais tempo, Petrie pega a arma que seu amado marido a deu há algum tempo, durante uma viagem longa que fizeram a outro continente, enquanto coloca a sua herança familiar embainhada as costas. Ao verem a atitude da mulher e conhecendo sua personalidade forte, os soldados silenciosamente fecham à porta da carruagem, numa vã tentativa de conter sua disposição de leoa protegendo os filhotes?
- Eu vou buscar meus filhos, seus idiotas!!! - E revelando um coturno desenhado especialmente para ela sob a saia rodada do vestido, pisoteia a porta com violência, arremessando dois soldados ao chão. Já no aguardo do pior, outros correm para contê-la.
- Minha senhora, estamos sob ordens diretas do Capitão... - antes que possa terminar a frase, a matriarca Drake completa:
- Seu capitão, MEU marido, é quem vai morrer para que EU e MEUS filhos possamos viver. Se ninguém é capaz de encontrar as minhas crianças, eu mesma faço. Continuem a me impedir que irei economizar o trabalho do Tirano de Almas com vocês.

Com a fúria no olhar, gira a pistola com o indicador no gatilho, ao mesmo tempo em que destrava e engata a arma, deixando pronta para a ação. Ao final do movimento, caminha para a direita apontando o misto de um revolver da marinha do 1851 [1]
Revólver muito utilizado na guerra civil americana
com uma pistola Desert Eagle semi-automática [2]
Esse canhão nem precisa de maiores comentários.
. O guarda costas Hamilton vê o cano da arma se aproximar rápida e ameaçadoramente enquanto ouve um “Saia” pouco convidativo. Para tornar sua situação ainda mais delicada, o som de uma espada sendo desembainhada completa a cena. Para ele os segundos que se alongam parecem ser os últimos de sua vida. O suor percorre sua testa tal qual uma queda d’água. Com todas as suas forças ele tenta conter suas pernas de não se moverem involuntariamente diante o olhar aterrador da senhora Drake.
- Mãaae, estamos aqui – O soldado respira aliviado ao ouvir a voz de Agnes Drake – Achei o Karsa e o Lega – Alguém suspira de total alívio ao ver a pistola magicamente sumir de dentre os seus olhos. Com a espada embainhada, Petrie responde:
- Eu sabia filha, sabia que os acharia. – Agachando para abraçar seu filho caçula, continua – O que fizeram com você meu neném? Está todo sujo e sangrando. Vamos sair daqui que na carruagem a mamãe vai cuidar de você.

Pegando Karsaeras no colo, olha para os soldados ainda estatelados no chão, observando toda a cena inertes e se dirigindo delicadamente a eles, fala: “O que fazem no chão senhores? Atrasando nossa partida?”

De dentro do transporte, Agnes sorri e balança a cabeça, em um divertido sinal de negativo, já conhecendo o temperamento intempestivo de sua mãe. Os dois se entreolham e rapidamente se levantam, sequer ousando em contrariar madame Drake, que acaba de bater e trancar a porta. Dando um sorriso maroto e erguendo a sobrancelha para Agnes e Lega, ordena a partida.

Certamente os soldados designados a sua proteção se sentirão muito mais seguros bem como satisfeitos agora ao lidar com a população. E em completo êxtase assim que encontrarem com a Guarda Particular Oficial da família Drake que os aguardam na fronteira da cidadela.

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Eu deixo aqui os meus parabéns a galera que vem comentando aqui. Gradativamente a história vai ganhando corpo e força. Reitero meus pedidos de quem apenas lê deixar suas impressões sobre a história.

Uma outra nota que gostaria de deixar é sobre as armas. Adoraria ter um suporte sobre elas, do mesmo modo que o HMS Victory. Para de coçar a cabeça e fingir que é com você mesmo que eu tô falando. Depois entro em contato para maiores detalhes.

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terça-feira, janeiro 16, 2007

Piratas - Capítulo 002 - O Tirano de Almas

Ao ver seu pai avançando com toda a tropa que conseguiu reunir naquele momento rumo à baía, o pequeno Karsaeras Drake e o mico Lega procuram se aproximar um pouco mais para tentar ver o causador de toda a destruição. Contudo, graças ao instinto de sobrevivência do animal, o símio sobe em espiral velozmente o corpo do menino até sua nuca, saltando após um forte impulso. Tendo entendido o recado de sair dali rapidamente, Karsaeras desata a correr o mais rápido que suas pernas curtas permitem. Poucos segundos depois, um cometa flamejante escolhe seu alvo. A explosão de uma casa. Vários corpos voam em chamas. A sinfonia de gritos desesperados compete com os silvos das balas de canhões que atacam ininterruptamente.

Lega se vira e não vê o menino. Desvia de algumas pessoas em pânico. O macaco avança alguns passos e nada além de centenas de partes de corpos carbonizados. O calor provocado pelo incêndio está se tornando insuportável. O mico começa a guinchar, mas suas cordas vocais são incapazes de enfrentar a confusão. Mesmo assim ele não desiste e tenta fazer o máximo de barulho enquanto procura o seu amigo. A sua esquerda um bebedouro de cavalo se ergue e o Drake filho sai com todo o lado esquerdo do rosto ensangüentado. Totalmente desorientado, porém consciente e sempre protegendo a caravela, o garoto cai sobre os joelhos e não para um instante de tossir. Imediatamente, Lega fica saltando e guinchando, como se estivesse em uma estranha dança sobre a cabeça do garoto. Dessa forma, evita que ambos sejam pisoteados.
- Lega - grita Karsaeras enquanto tenta redescobrir a diferença do chão e o céu - Eu não tô ouvindo nada. Tá tudo girando. O papai mandou a gente fugir daqui agora e ir para casa! - E por fim consegue levantar depois de muito esforço, sem contar a dificuldade por causa da dança do “Não nos pise” do macaco.

Enquanto isso, chegando perto do porto, o Capitão Drake enfrentava o inimigo que sequer ousaria desejar encontrar. Com a visão assustadora de todos os seus postos de defesa avançados totalmente destruídos, lançando longas línguas negras de fumaça contaminando o céu, pedaços de diferentes tamanhos e formas de madeira das embarcações com o brasão pelo qual iria morrer permeavam sobre as águas antes plácidas da baia de entrada de sua cidade, o Balneário Pinheiro Natalino. Por um momento, se pegou olhando suas mãos, mas sua mente se perdia no vazio. Conforme ia elevando seu visão rumo ao horizonte, lá se encontrava o seu destino. Os homens que estavam ao seu lado tinham nas lágrimas de medo, que corriam em suas faces, a certeza de seu último dia não só neste mundo, mas em qualquer outro. Sabiam que seu exaustivo treinamento não seria suficiente contra a personificação do pesadelo. Uma lenda maligna de um destróier concebido em um em um plano de existência onde todos os residentes tinham como único intento destruir aquele que os homens entendem e chamam de Deus.

Como o tempo neste presente plano de existência é medido de maneira especial, esse navio invasor foi o resultado de uma longa estratégia de um confronto que se estende muito além da criação deste esquecido Universo. Apesar de ter sido construído aqui nesta dimensão, sua força motriz é proveniente de outro espaço-tempo.

Entretanto, torna-se muito mais fácil entender ao compara as delimitações do espaço-tempo, ou Mantos, a um labirinto esférico de cortinas e tecidos, seja no piso, paredes ou teto, onde todos os caminhos estão interligados e relacionando-se mutuamente, limitados com diferentes tamanhos, em um sistema totalmente dinâmico, bem como todas as tentativas de violar as leis que regem essa esfera conduzem ao ponto de partida daquele que cometeu a infração.

Apesar de simples, acabou por tornar-se uma solução perfeita para proteger os tais Mantos, os quais podemos simplificar associando a uma caixa de pano contendo duas esferas de igual diâmetro, sendo uma delas a dimensão principal, enquanto a outra é a alternativa, sua dimensão paralela correspondente. Estas caixas tem movimentação aleatória, muito similar ao movimento browniano dos átomos[1]
Simulação do Movimento Browniano.
, acarretando que uma caixa nunca mais poderia encontrar com outra na mesma posição, velocidade e direção. Em resumo, um labirinto que não permite a formação de referencial uma vez que percorre seus inusitados corredores e sem saída, pois do outro lado da esfera estaria Deus.

Entretanto, por motivos que jamais serão explicados, um único Manto se manteve inerte e foi encontrado pelos espiões dos inimigos de Deus cuja missão é encontrar falhas na esfera ao patrulharem os corredores continuamente. Após comprovarem que aquele ponto não se movia, elaborou-se uma tática e por um tempo incontável, conseguiram abrir uma pequena fenda no tecido mais externo. A partir deste momento, foram capazes de dominar alguns territórios da primeira esfera que tiveram contato. Pouco a pouco descobriram o funcionamento dela e aprenderam que uma dimensão influencia a outra diretamente. Em posse dessa informação crucial, foi então construído um artefato capaz de corromper o Manto Inerte de dentro para fora, e se propagar de modo muito semelhante a uma infecção virótica. Uma das dimensões esféricas possui o Mundo dos Homens - o nosso mundo - e o mundo em que os homens são capazes de tocar a face de Deus. De onde conseguem buscar toda a sua criatividade. A origem de toda a capacidade de lutar por objetivos imaginários que os humanos têm de modo a torná-los reais. É nesta dimensão onde a essência da criação ainda reside com maior intensidade. Um lugar onde tudo é possível, desde que se queira o suficiente.

Esse é o Mundo dos Sonhos.

A violação dele gerou pontos obscuros capazes de corromper os sonhos. Locais de onde surgem os pesadelos. Sempre que descobertos, confrontos intensos e sangrentos ocorrem. Pessoas até então comuns se consagram nestes combates, sejam por atitudes heróicas, como o Mestre de Armas Gaudir de Nereanor, seja por estratégias dignas do lendário Maywald, cuja capacidade de andar lhe fora roubada em uma destas batalhas. Mas ao longo do surgimento e destruição destes pontos obscuros, descobriu-se que tanto os corpos quanto as almas dos capturados eram usadas na construção do elemento que simplesmente alternaria a ordem e transferiria o controle do Mundo dos Sonhos aos Senhores do Pesadelo. Em uma louca caçada ao local de fabricação promovida pelos já citados Gaudir e Maywald, o local foi descoberto e destruído. Infelizmente, na época não houve como determinar se tal artefato fora criado ou não.

Muito tempo depois, uma lenda de que uma embarcação capaz de absorver almas para fortificar seu escudo protetor enquanto corpos forjavam o seu costado
[2]
, mesclando-se com um amalgama de aço e madeira nunca visto antes. A sua pintura era feita com sangue. Suas velas eram costuradas com a pele dos capturados. Cabelos e pêlos de todo o corpo eram usados para formar suas cordas. Adaptados a uma engenharia de guerra, centenas de gárgulas vivas seriam os seus canhões, cuspindo projéteis flamejantes contra todas as cidades costeiras que viessem a se aproximar. Neste mito, havia uma pequena parte que tratava sobre a captura de uma armadura simbiótica de um soldado celestial, cuja essência fora presa em um corpo espelhado. Porém, a armadura estava incompleta e sem seu dono para alimentá-la e servir de guia, passou a capturar e escravizar almas para se manter viva. Com isso, o gigantesco destróier, que em sua estrutura externa há resquícios de similaridade com um Galeão espanhol, tinha sido batizado com um nome capaz de fazer o mais ateu dos homens orar com fervor, pois essa era a certeza do inicio de um pesadelo sem fim.

E esse era o pensamento de todos os que agora estavam com o Capitão Drake, assistindo a lenda do mal se tornar realidade. A melancolia pairava sobre os que iriam travar combate a tal máquina de devastação. Nenhuma arma era capaz de detê-lo. Nenhuma estratégia conseguiria fazer com que parasse de disseminar o mal. Não havia forma conhecida de destruir suas defesas. O Balneário Pinheiro Natalino se tornaria parte deste conto maldito e todos os seus habitantes seriam consumidos para integrarem a embarcação. Neste instante, todos sentiam isso ao lerem o nome no imenso costado. Toda a descrição assustadora era verdadeira.

O Tirano de Almas havia chegado.
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[1], [2] - Basta colocar o mouse sobre para aparecer a referência adequada.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Piratas - Capítulo 001 - Introdução

“E o Rio das Desilusões eu vou subindo,
Como é grande aquele rio,
Subo porque meu coração
não sabe o que é o perigo.
Viu só meu caro amigo
é desse jeito que venço qualquer inimigo...”

Sob a melodia desse pequeno trecho, um garoto aparentemente cinco anos a cantava com animação enquanto perseguia uma caravela feita em madeira a qual descia veloz rente ao meio fio de uma rua paralela a principal no Balneário onde vivia. O pequeno objeto era perfeito nos mínimos detalhes, tendo a vela inflada bem como a correnteza da água as forças motrizes de seu movimento.

“... minha mente é forte,
as ações calculadas
com penas matemáticas
o amanhã está no horizonte
de onde estou, só há o mar defronte...”

Absorto em cantigas apropriadas a sua idade e brincadeira, o menino só notou algo errado depois de ouvir o estrondo ensurdecedor da primeira explosão. Poucas ruas à frente, ele vê o Relógio da Torre de Orações se transformar em uma imensa nuvem de poeira. Fragmentos menores atingem o seu rosto. A fumaça o sufoca por alguns segundos. Caindo sentado, o pequeno prodígio levanta a cabeça e arregala os olhos com completo pavor. Em sua visão, milhares de balas de canhão em chamas serpenteiam pelo céu vespertino, disparadas pelo colossal navio que invadia a baía de formato de pinheiro natalino1. O assovio provocado pelos cometas flamejantes rasgando o espaço celeste enlouquecera a população da cidadela. Poucos realmente sabiam a direção que estavam correndo. As chamas criadas pelos projéteis não apagavam com água, mas sim acabavam por se alastrar ainda mais rápido. Com a lembrança do seu brinquedo, o garoto desperta do seu torpor e sai em disparada atrás dele. As pessoas enxameavam as ruas ensandecidas. Pisoteavam umas as outras, o senso de ajudar ao próximo por poucos era lembrado. Em resposta ao ataque, soldados brotavam do quartel como o fluxo de uma represa arrebentada. Dentre eles, poucos tentarão levar a ordem ao caos.

Todas as vezes que se aproximava de sua embarcação miniatura, alguém o atrapalhava. O garoto sequer cogitava a idéia de perdê-la. Era um presente de seu pai, o mais especial de todos. Resultava de um “ambicioso projeto náutico” desenhado pelo filho, porém interpretado e manufaturado com uma absurda riqueza de detalhes pelo progenitor. Ia muito além do que uma mera maquete ou modelismo. Ao final do trabalho artesanal, havia sido concebido como um protótipo. As tecnologias criadas pela dupla estavam prontas para serem usadas em se fossem construídas em escala maior. Entretanto, era evidente que alguns detalhes cruciais nessa ampliação só os dois sabiam. Uma delas, o Canhão de Extremo Alcance, apesar de mal-interpretada e de não ter o alcance e potência esperado pelo projeto roubado, está devastando a cidade neste momento.

Contudo, ao menino a única coisa que realmente importava eram as palavras “Nunca o perca ou deixe quebrar, senão seus sonhos não irão se concretizar. Aqui tem mais magia do que pode imaginar”. E com todas as suas forças, o menino agradecia a Deus ou ao Senhor deste mundo pelo barco ainda estar navegando pelo meio fio das vielas de cascalho asfaltado. Ao redor, colunas de fumaça e fogo disputavam cada centímetro do céu. As balas de canhões incendiárias pareciam inesgotáveis. Os estrondos de seus disparos aumentavam a cada instante. Diversas casas ruíam, soterrando quem estivesse por perto. Carruagens atropelavam os pedestres. Em dado momento, quando as esperanças da criança em alcançar o protótipo de madeira ainda inteiro sumia era demonstrada pelas lágrimas que corriam cada vez mais fartas pelo seu rosto pueril, um homem abaixa e garante a integridade do “brinquedo”. Ao reconhecer o salvador, o pequeno aproveita o embalo da corrida e se atira nos longos, protetores e conhecidos braços sem conter as lágrimas de medo. Com um olhar misturando repreensão, preocupação e carinho, o adulto fala enquanto permite o garoto afundar o rosto em seu peito:

- Filho, vá para casa agora! – O tom imperativo da voz revela um caráter militar - Sua mãe está desesperada. Ainda bem que avisou onde estava. Vá agora!!! - Com um abraço apertado seguido de um beijo na testa, o Capitão Drake enfatiza ao seu filho que é obrigação dele cuidar das mulheres e da pequena caravela que carrega.

- Mas pai... – Sussurra o garoto quase se afogando em lágrimas. Todos os presentes se protegem enquanto uma janela próxima explode, liberando vigorosas labaredas da casa em chamas. Enquanto levantava rapidamente, o capitão responde:

- Não perca tempo chorando e falando quando deveria estar agindo. Você é um Drake e nunca se esqueça disso. Entendeu? – Repreende o Capitão como faria com qualquer um de seus comandados. Sabia que seu filho era exatamente igual a ele mesmo, extremamente teimoso e honesto para com aqueles que ama. A última frase garante a obediência do garoto no mesmo momento em que este acena positivamente com a cabeça. O Capitão sabia que seu filho preferiria ter a alma dispersada pelo mundo onírico a permitir que tanto as mulheres quanto a caravela que defenderia sofressem alguma violência.

Sorridente, o Drake pai começa a vociferar ordens aos seus soldados e aos postos avançados que vem sofrendo baixas continuas. Ele sabe o motivo do ataque, e silenciosamente lamenta ao dar uma última olhada ao menino de botas marrons, calças verdes escuras surradas, camisa azul rasgada e com manchas pequenas de sangue. Seus olhos castanhos muito escuros combinavam com seu cabelo preto curto e sombracelhas afiladas. A forma como segurava o barco usando as duas mãos, bem como a postura e a posição das pernas seria a última imagem que guardaria de seu pequeno guerreiro. Nesse momento, um mico cujo pêlo marrom claro na cabeça, porém brancos ao redor dos globos oculares e no cavanhaque, escurecem à medida que avançam para a cauda. A sempre ajustada mochila as costas do símio garantia seu destaque e fácil reconhecimento perante as outras pessoas. Com um acenar da mão, o macaquinho salta de seu ombro e corre para as pernas do menino.

- Desculpe por tudo o que vai sofrer, meu filho... - Pensa pesaroso o Capitão Drake enquanto acena na que talvez fosse à última vez para seu filho, memorizando cada detalhe daquele instante - Só espero que entenda os meus motivos. Foi a única forma que encontrei de proteger você e o Senhor de nosso Mundo. Com sorte, nos reencontramos em algum momento no futuro.

Com o Sol se pondo atrás dos dois, por entre as inúmeras estradas e tendo as montanhas do horizonte como moldura, Capitão Drake avança com a sua tropa rumo ao causador de toda a destruição.



1 - Vou colocar uma referência em desenho mais tarde. Aviso aqui ou no fotolog ou no Out of the road.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Fechado por tempo indeterminado

Eu já havia avisado.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Tudo Por Um Anel - Capítulo 05


“Sorria, vai ficar pior depois.” (Francis Karsaeras)
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Dando uma nova definição a palavra encharcado, noto como gostaria de ter um limpador de pára-brisas no óculos escuro. Por sinal, é sobrenatural a capacidade deste em ainda estar aqui depois de tanta confusão. Meu estômago não quer mais saber de dificuldades, mas Murphy sim. Insatisfeito com a quantidade de sacanagens pelas quais me fez passar, ele agora me lembra que a casa estava em uma planície, e eu em um planalto. Entre nós, um tobogã radical chamado barranco enlameado. Para amenizar a quantidade de arranhões, tive a chance de agarrar uma folha de bananeira gigante e usar como “prancha” para deslizar sobre a lama. Tô de mal com o tempo: “Corta aqui, ô!!!”.

Depois da idéia genial de usar uma folha de bananeira como prancha, fiquei parecendo um bife a milanesa podre com um motor de britadeira abdominal, tamanho os uivos do Cavaleiro do Apocalipse. Ao menos o temporal cessou. Contudo, sigo a marcha sem parar rumo ao destino agora certo. Eu estou tão mau que nem os mosquitos que antes se refestelavam com o meu sangue se aproximam de mim agora. No mínimo estão pensando que minha validade venceu. Só não sei se isso é bom ou ruim. E a lua sobre mim pairava, indicando que o tempo de minha jornada acabava.

Estariam meus olhos me pregando uma peça. Bom, não seria a primeira e nem a última. A casa. Estou tão próximo dela. ALELUIA. Dando o último gás, vôo baixo até o alpendre da casa, rasgando por entre os jardins e horta, ambas repletas das mais diversas espécies vegetais saborosamente comestíveis. Do outro lado, animais pastando e saboreando a água abundante recém chegada do céu. Sou até capaz de chamá-los pelo nome. Afinal, sou o dono deste lar. O senhor deste castelo. Eu estou com fome e quero um banho. Pouco importa se o tempo correu.

Quase alcançando a varanda, vejo a dona do rosto que tantas vezes vi em minha mente. Sorrindo para mim, as lágrimas misturam preocupação e alívio. Ela me abraça e não dá a menor importância para meu estado de calamidade publica. “Pensei que tivesse morrido”, ela me confessa. “Bom, oportunidade não faltou, mas preferi ficar e te devolver isso”. E ao retirar a mão no bolso do que já foi uma calça, mostro a ela um pequeno objeto circular e brilhante, que ao ser entregue, é imediatamente posto em um dedo específico da mão esquerda. “Você encontrou!”, ela me fala dentre muitas lágrimas. “Lógico, sei o quanto isso é importante para você.”. Então conto todo o ocorrido desde ter achado a aliança lá nas campinas altas, além de ter caído na armadilha da represa que as ninfas rastreadoras montam. Acho que bati a cabeça quando caí no fosso, e demorei a me recuperar do impacto e do susto. A única coisa que sei é que perdi o meu relógio na zorra toda e com isso total noção do tempo.

Transbordando de felicidade, ela corre como uma pata devido à gravidez e traz o meu amado relógio. “Quando você soube que eu tinha perdido a aliança, saiu daqui tão rápido que o esqueceu na mesa.”, fala, retirando um peso enorme da minha consciência. Eu seria uma pessoa ainda mais relapsa com a pontualidade se eu o tivesse perdido. Um bom banho e uma ótima refeição são realizados em seguida. São exatamente duas da manhã.

Dois dias depois, o macaquinho dedo-de-seta aparece todo enfaixado na minha porta, amparado por uma ninfa rastreadora não menos prejudicada. Coincidentemente, é a mesma da praia. O pensamento de tentar conter o meu sorriso mórbido de vingança passou pela minha cabeça e foi embora na velocidade da luz. Com eles, uma estranha porém feliz notícia. Em meio ao caos, o amor se anuncia da forma mais esquisita. Eles traziam um lindo convite de casamento feito pelas ninfas com absoluta certeza. Nele dizia que o Gorilão Chefe e a mistura de dragão-mamute-tartaruga se apaixonaram no meio do confronto e vão se casar! E minha presença é fundamental, pois foi graças a mim que eles se conheceram. Após perguntar qual seria o rango oferecido – que tive a garantia que não seria eu e nem meus acompanhantes – confirmei presença na boca-livre bizarra. Mas era explícito que o macaquinho tava a fim de uma revanche, todavia ainda não tem a disposição para encarar. Falta-lhe um pouco mais de experiência advinda com o tempo.

Por fim, volto para minha casa e conto a minha esposa as felicitações doidas e as causas delas. Passamos uma tarde de intensos, contínuos e agradáveis risos. Como disse antes, nada na minha vida é fácil e é uma coisa absurda eu ter que lutar o tempo todo até o fim. Mas ainda bem que por mais insano e impossível pareça, eu consigo arrancar um resultado positivo junto com um final feliz para tudo. Pode até ser culpa de Murphy (e deve ser mesmo!!!), que vive me usando para seus propósitos sombrios, perversos, irônicos e sarcásticos. Sinceramente, que se foda, nas últimas do segundo tempo deu certo, não deu?

------------ .Fim. Sério Mesmo. Eu não tô zuando. Acabou. -------------------

Tudo Por Um Anel - Capítulo 04

“Qual é a boa de hoje?” (Francis Karsaeras)
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Correndo por trilhas totalmente alucinado, e se tratando de corrida, sou um especialista. As madames esfomeadas ficam é comendo poeira, enquanto para minha segurança eu aumento a distância entre a gente. Quem entende de matas ou de Francis sabe que uma atitude dessas conduz somente a uma coisa: Ficar completamente perdido. Já não bastava eu ter encarado por tudo o que passei desde que despertei num lugar escuro, sem memória e com fome, para me perder aqui com um monte de rastreadoras gostosas, famintas e salivantes no meu encalço, com uma bruaca monstrenga na forma humana – supostamente fêmea – querendo me dar. Decididamente, alguém lá em cima me odeia, mas não é hora de tirar satisfação. Sem tempo de ficar me lamentando, continuo andando fora da trilha a fim de tentar dificultar alguma coisa o trabalho delas de me assar, isto é, me achar. A um dado momento, tudo fica no mais completo silêncio. Há quanto tempo está assim? Não sei, o desgraçado do tempo não me diz o quanto correu.

Ao longe, vejo uma linha de fumaça. Porra, só me falta aquelas putas terem tacado fogo na mata para me assar mais rápido! Por sorte não era isso, pois o fio de fumaça parece ter uma origem fixa e não se alarga, procurando dissolver-se no ar. Subo numa árvore de copa fechada e, ao atingir seus galhos mais altos e expulsar marrentamente um macaquinho que ali dormia, vejo uma casa numa planície não muito longe dali. Acompanhando a sinuosa linha escura, chego até uma chaminé. Logo, COMIDA CASEIRA. Conheço esse cheiro, e um rostinho animador toma minha mente de assalto. A fragrância de alimento saudável me faz lembrar de tudo, e ao colocar a mão no bolso da calça, confiro a presença de um pequeno objeto de formato peculiar. Pulando do galho até o chão, sigo sorridente o sinal de comida esfumaçado, guiado pelo GPS estomacal. Apoiando nas árvores, dou uma acelerada, ao ir pelo caminho mais curto. Até certo momento em que sinto um tronco está por demais peludo. “Ué, árvore não tem tórax?” e foi só levantar a cabeça para ver o macaquinho filho duma puta com o maior dedão de seta apontado na minha direção. Ainda tentei olhar para trás e sorrir amarelo para disfarçar, mas eles não sacaram a piada. “Tô fudidaço agora!!!”. Muito escroto esse macaquinho, não sabe levar porrada e ficar quieto. Trouxe a gang inteira de mais de trinta gorilas para tirar satisfação. O dia que já ia chegando pelo final da tarde escurece rapidinho. Agora o tempo passa voadaço.

E para fechar o tempo de vez, quem me acha? As rastreadoras-gostosas-que-gostam-de-comer-e-não-de-ser-comidas, lideradas pela doida mor e pela(o) mistura de dragão-mamute-tartaruga. E eu no meio das duas facções rivais. Se me leiloassem no Mercado Livre ou no Ebay, faturava uma grana violenta, mesmo esfolando no valor do frete. Tudo bem, já que eles estão mais afim é de sair na porrada, quem sou eu para impedir. E que se inicie o confronto entre os Hooligans da Selva! O gorilão chefe e seu macaco de pirata dedo-de-seta começam a discutir com a doida mor e sua monstra de estimação por quem terá o privilégio em me detonar primeiro. Nem me atrevo a fazer qualquer movimento além de girar os olhos rapidamente nas órbitas, acompanhando cada lance de camarote. Ô porra, não seria nada mal o tempo congelar e me dar à chance para meter o pé daqui.

Os dois lados parecem que vão se entender é no braço. Só que em algum momento da pseudo-diplomacia das matas, voa uma pedra do meio dos macacos e pega nas fuças de uma rastreadora. Coincidência ou não, é a mesma gata selvagem na qual me atraquei na praia mais cedo. O inevitável senso de vingança pela joelhada surge em meu rosto como um sorriso mórbido. Em resposta, a ordem de confronto é dada pela Doida-Mor. Antes que ela baixasse o braço, eu já tinha voado para o meio da mata, subindo numa árvore em seguida. Para a minha felicidade, escancarando ainda mais a morbidez de meu sorriso, quem eu encontro no alto da árvore? Macaquinho dedo-de-seta-filho-duma-puta, que nem havia me visto, a não ser quando cutuquei nas costas dele. Após se virar, só consegue arregalar os olhos ao se encontrarem com o meu olhar psicopata. O idiota ainda tenta fugir, o que só aumenta o meu prazer em descer a porrada nele. E por falar em cenas de violência explícita, a coisa está feia ali no chão. É perna de ninfas famintas voando de um lado e dentes de orangotango cortando do ar de outro. Não estou nem aí, amarro o macaquinho escroto pelo rabo em um galho bem alto, e me mando pelas copas das árvores que nem o Tarzan. O GPS estomacal fala mais alto nessas horas. Há tempo para combater e para fugir. Bem que o tempo podia me dar um prato de comida bem suculenta.

Ao longe, enquanto noto os sons da batalha ficarem cada vez menos claros, eu me contento em praticamente voar por entre as árvores rumo a uma alimentação sadia. Estou rezando para que nada mais me atrase no caminho, agora que falta tão pouco para chegar até a casa. Foi naquele lar que tudo começou, e será nele que tudo terminará. Ou assim eu espero. Mas como sorte comigo não existe, um tsunami pluvial desaba sobre minha cabeça. Ao menos espanta os mosquitos que me forçavam a participar de uma campanha de doação de sangue de modo um tanto autoritário. Infelizmente, cai tanta água do céu que nem sou capaz de enxergar muito longe na minha frente, sem contar a lama formada a qual impede de manter a marcha acelerada. E mais uma vez não sei o quanto tempo correu.