O Autor:
Avatar dinâmico em testes

Nome: Francis Karsaeras
Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, BR
Idade: 25 Anos
Características: Inexplicavelmente, passa sufoco quando chove e em testes psicotécnicos, sem causa aparente.
Signo: Gêmeos, mas faz diferença?
Caso tenha gostado, deixe um comentário que entro em contato o quanto antes. Obrigado pela visita.


No baú abaixo segue os arquivos publicados neste blog!

Expandir || Contrair

-


domingo, janeiro 28, 2007

Piratas - Capítulo 003 - Petrie Drake

Vendo o mico Lega desviar-se habilmente das pessoas em fuga, o pequeno Drake seguia a trajetória que a mochila atada às costas do símio descrevia na busca do melhor caminho. Faltava bem pouco agora para chegar a sua casa. Rezava para que sua mãe estivesse bem, mesmo estando no meio da multidão alucinada para se salvar. Todos buscavam ir o mais longe possível do porto. Os ataques não cessavam um instante sequer, ampliando o raio de destruição ao longo de todo o balneário. Algumas pessoas começavam a se entregar aos braços da loucura. Essa é a primeira influência direta da presença do Tirano de Almas. A grande maioria gradativamente reduzia a velocidade da fuga, praticamente desistindo, como se não houvesse lugar seguro o suficiente para escapar daquele monstro que lançava suas sombras sobre a cidadela costeira.

Lega entra em uma viela estreita a esquerda da rua principal e aguarda seu amigo que rapidamente o alcança. Ofegantes e muito suados, ambos procuram descansar alguns instantes antes de retomar a correria. Nesse ínterim, uma garota de aproximadamente vinte anos, de longos cabelos negros brilhosos, rosto fino, olhar arguto e trajando um vestido vermelho de mangas negras com apenas uma única fita rosada logo abaixo de cada ombro que, em seu corte a frente das pernas, revela um corpo bem desenhado, entra em alta velocidade no lado oposto ao do estreito caminho escolhido pela dupla para descansarem e não serem pisoteados pela massa que ainda fugia. A jovem vinha falando baixo “Sem dúvida ele deve vir pela estrada principal!!! Vou cortar caminho...” e ao reconhecer o garoto que se encontrava recostado na parede de uma casa ainda inteira, dispara uma expressão misturando espanto e alívio, junto com as palavras que eram pronunciadas em atropelo.
- Ka-Karsito, graças ao bom Senhor de Nosso Mundo eu te encontrei!!! - O menino vira o rosto com uma expectativa de que a dona daquela voz fosse realmente de quem ele acreditava ser.
- Agui? Lega, é a Agui. Que bom, ela achou a gente!!! - Incapaz de conter a surpresa e a felicidade, Karsaeras e a sua irmã Agnes Drake se abraçam. Lega não fica atrás na alegria e com o rabo enroscado no tornozelo do garoto, aproveita para abraçar a panturrilha de Agnes.
- Karsito, vamos sair daqui o quanto antes. Tão dizendo que é o Tirano de Almas que tá atacando e destruindo tudo. Nós não vamos ficar para conferir e a mãe já tá doida de esperar pela gente. - Em choque, o garoto só se move graças aos puxões de sua irmã auxiliada pelo símio.

As histórias dessa embarcação maligna são proibidas de serem contadas as crianças, o que é sinônimo de todas as conhecerem detalhadamente. Ao ver que seu irmão caçula estava apavorado demais para fugir, a garota o põe nas costas, mantém a caravela bem próxima ao peito e instrui ao mico achar o caminho mais curto e rápido possível até a casa deles.

Alguns minutos depois, a aproximação do Tirano de Almas torna sua presença maléfica quase palpável. A violência explícita e insensata ao próximo confirma a sua segunda influência. As mensagens de “matar o que está vivo”, “não há mais esperança alguma” e “entregue-se” eram exemplo das milhares que ecoavam principalmente na mente dos fracos de caráter e personalidade. Entretanto, após vários confrontos contra os Pontos Obscuros, as forças militares do Senhor do Mundo dos Sonhos incluiu no treinamento formas e o preparo adequado para resistir a tais imposições subliminares. Para ampliar essa resistência, pois o destróier está além de qualquer previsão, os capacetes utilizados minimizam até um nível ao qual o condicionamento mental consegue controlar, mas de uma maneira geral somente se uma distância segura for mantida. Existem boatos não confirmados de que soldados quando guiados por um líder hábil chegam até a aproximarem-se poucas dezenas de metros da embarcação destruidora. Deste modo, os soldados não matavam uns aos outros, mas sim tentavam a todo custo manter a gigantesca carruagem blindada que iria retirar a família do Capitão Drake da cidadela.

Desesperada e procurando constantemente a sua filha mais velha surgir com seu caçula, Petrie Drake roga ao Senhor do Mundo dos Sonhos a chance de escaparem do balneário. O longo e detalhado vestido com corselet de cor púrpura suave adornado de fitas azuis contrastava com o cinza sóbrio de seu transporte, de dimensões semelhantes a um microônibus que a aguardava pacientemente. Cavalos parrudos como filhotes de elefantes, porém extremamente atléticos e bravios são oriundos de uma raça quase extinta, pois são incapazes de viver confinados a um mesmo lugar por muito tempo. Para solucionar este problema, eles são postos continuamente em viagem e nunca repetindo o mesmo trajeto. Além do porte descomunal, os Delafees são capazes de desenvolver uma velocidade e potência de causar inveja a um carro superesportivo. Contudo, raros são os cavaleiros dessa raça, já que para montá-los é um mistério ainda não desvendado. Afinal, quando uma pessoa consegue cavalgar um Delafee é transformada em cavaleiro incondicionalmente. Infelizmente, muitos ainda morrem em nome do status que dominar tais montarias traz.
Incapaz de conter o nervosismo por mais tempo, Petrie pega a arma que seu amado marido a deu há algum tempo, durante uma viagem longa que fizeram a outro continente, enquanto coloca a sua herança familiar embainhada as costas. Ao verem a atitude da mulher e conhecendo sua personalidade forte, os soldados silenciosamente fecham à porta da carruagem, numa vã tentativa de conter sua disposição de leoa protegendo os filhotes?
- Eu vou buscar meus filhos, seus idiotas!!! - E revelando um coturno desenhado especialmente para ela sob a saia rodada do vestido, pisoteia a porta com violência, arremessando dois soldados ao chão. Já no aguardo do pior, outros correm para contê-la.
- Minha senhora, estamos sob ordens diretas do Capitão... - antes que possa terminar a frase, a matriarca Drake completa:
- Seu capitão, MEU marido, é quem vai morrer para que EU e MEUS filhos possamos viver. Se ninguém é capaz de encontrar as minhas crianças, eu mesma faço. Continuem a me impedir que irei economizar o trabalho do Tirano de Almas com vocês.

Com a fúria no olhar, gira a pistola com o indicador no gatilho, ao mesmo tempo em que destrava e engata a arma, deixando pronta para a ação. Ao final do movimento, caminha para a direita apontando o misto de um revolver da marinha do 1851 [1]
Revólver muito utilizado na guerra civil americana
com uma pistola Desert Eagle semi-automática [2]
Esse canhão nem precisa de maiores comentários.
. O guarda costas Hamilton vê o cano da arma se aproximar rápida e ameaçadoramente enquanto ouve um “Saia” pouco convidativo. Para tornar sua situação ainda mais delicada, o som de uma espada sendo desembainhada completa a cena. Para ele os segundos que se alongam parecem ser os últimos de sua vida. O suor percorre sua testa tal qual uma queda d’água. Com todas as suas forças ele tenta conter suas pernas de não se moverem involuntariamente diante o olhar aterrador da senhora Drake.
- Mãaae, estamos aqui – O soldado respira aliviado ao ouvir a voz de Agnes Drake – Achei o Karsa e o Lega – Alguém suspira de total alívio ao ver a pistola magicamente sumir de dentre os seus olhos. Com a espada embainhada, Petrie responde:
- Eu sabia filha, sabia que os acharia. – Agachando para abraçar seu filho caçula, continua – O que fizeram com você meu neném? Está todo sujo e sangrando. Vamos sair daqui que na carruagem a mamãe vai cuidar de você.

Pegando Karsaeras no colo, olha para os soldados ainda estatelados no chão, observando toda a cena inertes e se dirigindo delicadamente a eles, fala: “O que fazem no chão senhores? Atrasando nossa partida?”

De dentro do transporte, Agnes sorri e balança a cabeça, em um divertido sinal de negativo, já conhecendo o temperamento intempestivo de sua mãe. Os dois se entreolham e rapidamente se levantam, sequer ousando em contrariar madame Drake, que acaba de bater e trancar a porta. Dando um sorriso maroto e erguendo a sobrancelha para Agnes e Lega, ordena a partida.

Certamente os soldados designados a sua proteção se sentirão muito mais seguros bem como satisfeitos agora ao lidar com a população. E em completo êxtase assim que encontrarem com a Guarda Particular Oficial da família Drake que os aguardam na fronteira da cidadela.

____________________

Eu deixo aqui os meus parabéns a galera que vem comentando aqui. Gradativamente a história vai ganhando corpo e força. Reitero meus pedidos de quem apenas lê deixar suas impressões sobre a história.

Uma outra nota que gostaria de deixar é sobre as armas. Adoraria ter um suporte sobre elas, do mesmo modo que o HMS Victory. Para de coçar a cabeça e fingir que é com você mesmo que eu tô falando. Depois entro em contato para maiores detalhes.

Marcadores: , , , ,

terça-feira, janeiro 16, 2007

Piratas - Capítulo 002 - O Tirano de Almas

Ao ver seu pai avançando com toda a tropa que conseguiu reunir naquele momento rumo à baía, o pequeno Karsaeras Drake e o mico Lega procuram se aproximar um pouco mais para tentar ver o causador de toda a destruição. Contudo, graças ao instinto de sobrevivência do animal, o símio sobe em espiral velozmente o corpo do menino até sua nuca, saltando após um forte impulso. Tendo entendido o recado de sair dali rapidamente, Karsaeras desata a correr o mais rápido que suas pernas curtas permitem. Poucos segundos depois, um cometa flamejante escolhe seu alvo. A explosão de uma casa. Vários corpos voam em chamas. A sinfonia de gritos desesperados compete com os silvos das balas de canhões que atacam ininterruptamente.

Lega se vira e não vê o menino. Desvia de algumas pessoas em pânico. O macaco avança alguns passos e nada além de centenas de partes de corpos carbonizados. O calor provocado pelo incêndio está se tornando insuportável. O mico começa a guinchar, mas suas cordas vocais são incapazes de enfrentar a confusão. Mesmo assim ele não desiste e tenta fazer o máximo de barulho enquanto procura o seu amigo. A sua esquerda um bebedouro de cavalo se ergue e o Drake filho sai com todo o lado esquerdo do rosto ensangüentado. Totalmente desorientado, porém consciente e sempre protegendo a caravela, o garoto cai sobre os joelhos e não para um instante de tossir. Imediatamente, Lega fica saltando e guinchando, como se estivesse em uma estranha dança sobre a cabeça do garoto. Dessa forma, evita que ambos sejam pisoteados.
- Lega - grita Karsaeras enquanto tenta redescobrir a diferença do chão e o céu - Eu não tô ouvindo nada. Tá tudo girando. O papai mandou a gente fugir daqui agora e ir para casa! - E por fim consegue levantar depois de muito esforço, sem contar a dificuldade por causa da dança do “Não nos pise” do macaco.

Enquanto isso, chegando perto do porto, o Capitão Drake enfrentava o inimigo que sequer ousaria desejar encontrar. Com a visão assustadora de todos os seus postos de defesa avançados totalmente destruídos, lançando longas línguas negras de fumaça contaminando o céu, pedaços de diferentes tamanhos e formas de madeira das embarcações com o brasão pelo qual iria morrer permeavam sobre as águas antes plácidas da baia de entrada de sua cidade, o Balneário Pinheiro Natalino. Por um momento, se pegou olhando suas mãos, mas sua mente se perdia no vazio. Conforme ia elevando seu visão rumo ao horizonte, lá se encontrava o seu destino. Os homens que estavam ao seu lado tinham nas lágrimas de medo, que corriam em suas faces, a certeza de seu último dia não só neste mundo, mas em qualquer outro. Sabiam que seu exaustivo treinamento não seria suficiente contra a personificação do pesadelo. Uma lenda maligna de um destróier concebido em um em um plano de existência onde todos os residentes tinham como único intento destruir aquele que os homens entendem e chamam de Deus.

Como o tempo neste presente plano de existência é medido de maneira especial, esse navio invasor foi o resultado de uma longa estratégia de um confronto que se estende muito além da criação deste esquecido Universo. Apesar de ter sido construído aqui nesta dimensão, sua força motriz é proveniente de outro espaço-tempo.

Entretanto, torna-se muito mais fácil entender ao compara as delimitações do espaço-tempo, ou Mantos, a um labirinto esférico de cortinas e tecidos, seja no piso, paredes ou teto, onde todos os caminhos estão interligados e relacionando-se mutuamente, limitados com diferentes tamanhos, em um sistema totalmente dinâmico, bem como todas as tentativas de violar as leis que regem essa esfera conduzem ao ponto de partida daquele que cometeu a infração.

Apesar de simples, acabou por tornar-se uma solução perfeita para proteger os tais Mantos, os quais podemos simplificar associando a uma caixa de pano contendo duas esferas de igual diâmetro, sendo uma delas a dimensão principal, enquanto a outra é a alternativa, sua dimensão paralela correspondente. Estas caixas tem movimentação aleatória, muito similar ao movimento browniano dos átomos[1]
Simulação do Movimento Browniano.
, acarretando que uma caixa nunca mais poderia encontrar com outra na mesma posição, velocidade e direção. Em resumo, um labirinto que não permite a formação de referencial uma vez que percorre seus inusitados corredores e sem saída, pois do outro lado da esfera estaria Deus.

Entretanto, por motivos que jamais serão explicados, um único Manto se manteve inerte e foi encontrado pelos espiões dos inimigos de Deus cuja missão é encontrar falhas na esfera ao patrulharem os corredores continuamente. Após comprovarem que aquele ponto não se movia, elaborou-se uma tática e por um tempo incontável, conseguiram abrir uma pequena fenda no tecido mais externo. A partir deste momento, foram capazes de dominar alguns territórios da primeira esfera que tiveram contato. Pouco a pouco descobriram o funcionamento dela e aprenderam que uma dimensão influencia a outra diretamente. Em posse dessa informação crucial, foi então construído um artefato capaz de corromper o Manto Inerte de dentro para fora, e se propagar de modo muito semelhante a uma infecção virótica. Uma das dimensões esféricas possui o Mundo dos Homens - o nosso mundo - e o mundo em que os homens são capazes de tocar a face de Deus. De onde conseguem buscar toda a sua criatividade. A origem de toda a capacidade de lutar por objetivos imaginários que os humanos têm de modo a torná-los reais. É nesta dimensão onde a essência da criação ainda reside com maior intensidade. Um lugar onde tudo é possível, desde que se queira o suficiente.

Esse é o Mundo dos Sonhos.

A violação dele gerou pontos obscuros capazes de corromper os sonhos. Locais de onde surgem os pesadelos. Sempre que descobertos, confrontos intensos e sangrentos ocorrem. Pessoas até então comuns se consagram nestes combates, sejam por atitudes heróicas, como o Mestre de Armas Gaudir de Nereanor, seja por estratégias dignas do lendário Maywald, cuja capacidade de andar lhe fora roubada em uma destas batalhas. Mas ao longo do surgimento e destruição destes pontos obscuros, descobriu-se que tanto os corpos quanto as almas dos capturados eram usadas na construção do elemento que simplesmente alternaria a ordem e transferiria o controle do Mundo dos Sonhos aos Senhores do Pesadelo. Em uma louca caçada ao local de fabricação promovida pelos já citados Gaudir e Maywald, o local foi descoberto e destruído. Infelizmente, na época não houve como determinar se tal artefato fora criado ou não.

Muito tempo depois, uma lenda de que uma embarcação capaz de absorver almas para fortificar seu escudo protetor enquanto corpos forjavam o seu costado
[2]
, mesclando-se com um amalgama de aço e madeira nunca visto antes. A sua pintura era feita com sangue. Suas velas eram costuradas com a pele dos capturados. Cabelos e pêlos de todo o corpo eram usados para formar suas cordas. Adaptados a uma engenharia de guerra, centenas de gárgulas vivas seriam os seus canhões, cuspindo projéteis flamejantes contra todas as cidades costeiras que viessem a se aproximar. Neste mito, havia uma pequena parte que tratava sobre a captura de uma armadura simbiótica de um soldado celestial, cuja essência fora presa em um corpo espelhado. Porém, a armadura estava incompleta e sem seu dono para alimentá-la e servir de guia, passou a capturar e escravizar almas para se manter viva. Com isso, o gigantesco destróier, que em sua estrutura externa há resquícios de similaridade com um Galeão espanhol, tinha sido batizado com um nome capaz de fazer o mais ateu dos homens orar com fervor, pois essa era a certeza do inicio de um pesadelo sem fim.

E esse era o pensamento de todos os que agora estavam com o Capitão Drake, assistindo a lenda do mal se tornar realidade. A melancolia pairava sobre os que iriam travar combate a tal máquina de devastação. Nenhuma arma era capaz de detê-lo. Nenhuma estratégia conseguiria fazer com que parasse de disseminar o mal. Não havia forma conhecida de destruir suas defesas. O Balneário Pinheiro Natalino se tornaria parte deste conto maldito e todos os seus habitantes seriam consumidos para integrarem a embarcação. Neste instante, todos sentiam isso ao lerem o nome no imenso costado. Toda a descrição assustadora era verdadeira.

O Tirano de Almas havia chegado.
_______________________________________________

[1], [2] - Basta colocar o mouse sobre para aparecer a referência adequada.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Piratas - Capítulo 001 - Introdução

“E o Rio das Desilusões eu vou subindo,
Como é grande aquele rio,
Subo porque meu coração
não sabe o que é o perigo.
Viu só meu caro amigo
é desse jeito que venço qualquer inimigo...”

Sob a melodia desse pequeno trecho, um garoto aparentemente cinco anos a cantava com animação enquanto perseguia uma caravela feita em madeira a qual descia veloz rente ao meio fio de uma rua paralela a principal no Balneário onde vivia. O pequeno objeto era perfeito nos mínimos detalhes, tendo a vela inflada bem como a correnteza da água as forças motrizes de seu movimento.

“... minha mente é forte,
as ações calculadas
com penas matemáticas
o amanhã está no horizonte
de onde estou, só há o mar defronte...”

Absorto em cantigas apropriadas a sua idade e brincadeira, o menino só notou algo errado depois de ouvir o estrondo ensurdecedor da primeira explosão. Poucas ruas à frente, ele vê o Relógio da Torre de Orações se transformar em uma imensa nuvem de poeira. Fragmentos menores atingem o seu rosto. A fumaça o sufoca por alguns segundos. Caindo sentado, o pequeno prodígio levanta a cabeça e arregala os olhos com completo pavor. Em sua visão, milhares de balas de canhão em chamas serpenteiam pelo céu vespertino, disparadas pelo colossal navio que invadia a baía de formato de pinheiro natalino1. O assovio provocado pelos cometas flamejantes rasgando o espaço celeste enlouquecera a população da cidadela. Poucos realmente sabiam a direção que estavam correndo. As chamas criadas pelos projéteis não apagavam com água, mas sim acabavam por se alastrar ainda mais rápido. Com a lembrança do seu brinquedo, o garoto desperta do seu torpor e sai em disparada atrás dele. As pessoas enxameavam as ruas ensandecidas. Pisoteavam umas as outras, o senso de ajudar ao próximo por poucos era lembrado. Em resposta ao ataque, soldados brotavam do quartel como o fluxo de uma represa arrebentada. Dentre eles, poucos tentarão levar a ordem ao caos.

Todas as vezes que se aproximava de sua embarcação miniatura, alguém o atrapalhava. O garoto sequer cogitava a idéia de perdê-la. Era um presente de seu pai, o mais especial de todos. Resultava de um “ambicioso projeto náutico” desenhado pelo filho, porém interpretado e manufaturado com uma absurda riqueza de detalhes pelo progenitor. Ia muito além do que uma mera maquete ou modelismo. Ao final do trabalho artesanal, havia sido concebido como um protótipo. As tecnologias criadas pela dupla estavam prontas para serem usadas em se fossem construídas em escala maior. Entretanto, era evidente que alguns detalhes cruciais nessa ampliação só os dois sabiam. Uma delas, o Canhão de Extremo Alcance, apesar de mal-interpretada e de não ter o alcance e potência esperado pelo projeto roubado, está devastando a cidade neste momento.

Contudo, ao menino a única coisa que realmente importava eram as palavras “Nunca o perca ou deixe quebrar, senão seus sonhos não irão se concretizar. Aqui tem mais magia do que pode imaginar”. E com todas as suas forças, o menino agradecia a Deus ou ao Senhor deste mundo pelo barco ainda estar navegando pelo meio fio das vielas de cascalho asfaltado. Ao redor, colunas de fumaça e fogo disputavam cada centímetro do céu. As balas de canhões incendiárias pareciam inesgotáveis. Os estrondos de seus disparos aumentavam a cada instante. Diversas casas ruíam, soterrando quem estivesse por perto. Carruagens atropelavam os pedestres. Em dado momento, quando as esperanças da criança em alcançar o protótipo de madeira ainda inteiro sumia era demonstrada pelas lágrimas que corriam cada vez mais fartas pelo seu rosto pueril, um homem abaixa e garante a integridade do “brinquedo”. Ao reconhecer o salvador, o pequeno aproveita o embalo da corrida e se atira nos longos, protetores e conhecidos braços sem conter as lágrimas de medo. Com um olhar misturando repreensão, preocupação e carinho, o adulto fala enquanto permite o garoto afundar o rosto em seu peito:

- Filho, vá para casa agora! – O tom imperativo da voz revela um caráter militar - Sua mãe está desesperada. Ainda bem que avisou onde estava. Vá agora!!! - Com um abraço apertado seguido de um beijo na testa, o Capitão Drake enfatiza ao seu filho que é obrigação dele cuidar das mulheres e da pequena caravela que carrega.

- Mas pai... – Sussurra o garoto quase se afogando em lágrimas. Todos os presentes se protegem enquanto uma janela próxima explode, liberando vigorosas labaredas da casa em chamas. Enquanto levantava rapidamente, o capitão responde:

- Não perca tempo chorando e falando quando deveria estar agindo. Você é um Drake e nunca se esqueça disso. Entendeu? – Repreende o Capitão como faria com qualquer um de seus comandados. Sabia que seu filho era exatamente igual a ele mesmo, extremamente teimoso e honesto para com aqueles que ama. A última frase garante a obediência do garoto no mesmo momento em que este acena positivamente com a cabeça. O Capitão sabia que seu filho preferiria ter a alma dispersada pelo mundo onírico a permitir que tanto as mulheres quanto a caravela que defenderia sofressem alguma violência.

Sorridente, o Drake pai começa a vociferar ordens aos seus soldados e aos postos avançados que vem sofrendo baixas continuas. Ele sabe o motivo do ataque, e silenciosamente lamenta ao dar uma última olhada ao menino de botas marrons, calças verdes escuras surradas, camisa azul rasgada e com manchas pequenas de sangue. Seus olhos castanhos muito escuros combinavam com seu cabelo preto curto e sombracelhas afiladas. A forma como segurava o barco usando as duas mãos, bem como a postura e a posição das pernas seria a última imagem que guardaria de seu pequeno guerreiro. Nesse momento, um mico cujo pêlo marrom claro na cabeça, porém brancos ao redor dos globos oculares e no cavanhaque, escurecem à medida que avançam para a cauda. A sempre ajustada mochila as costas do símio garantia seu destaque e fácil reconhecimento perante as outras pessoas. Com um acenar da mão, o macaquinho salta de seu ombro e corre para as pernas do menino.

- Desculpe por tudo o que vai sofrer, meu filho... - Pensa pesaroso o Capitão Drake enquanto acena na que talvez fosse à última vez para seu filho, memorizando cada detalhe daquele instante - Só espero que entenda os meus motivos. Foi a única forma que encontrei de proteger você e o Senhor de nosso Mundo. Com sorte, nos reencontramos em algum momento no futuro.

Com o Sol se pondo atrás dos dois, por entre as inúmeras estradas e tendo as montanhas do horizonte como moldura, Capitão Drake avança com a sua tropa rumo ao causador de toda a destruição.



1 - Vou colocar uma referência em desenho mais tarde. Aviso aqui ou no fotolog ou no Out of the road.